Alienação Fiduciária de Imóvel: uma garantia eficaz para emissões privadas de títulos de renda fixa

Por Rafael Bertachini Moreira Jacinto, sócio do GTLawyers Sociedade de Advogados

Para as companhias de capital fechado atuantes no mercado brasileiro, a dívida privada tem sido uma forma de financiamento de maior destaque em relação ao crédito bancário.

Conforme constata a CVM, “o Brasil apresenta um dos maiores mercados emergentes de dívida privada, com potencial de crescimento”.

As emissões efetivadas no mercado de capitais certamente preenchem parte do espaço deixado pela redução do crédito direcionado (BNDES) e livre (outros bancos), verificada a partir de 2015[1].

Apesar da indiscutível redução das ofertas no mercado de capitais no ano de 2020, fato é que sua relevância já voltou com força total: o volume do primeiro semestre de 2021 ultrapassa o de 2020 em 65%. Liderando as emissões, tem-se as debêntures, que desde janeiro já acumulam R$99,4 bilhões em ofertas, além de terem tido aumento expressivo da participação de investidores estrangeiros – de 0,4% no ano passado para 7% esse ano[2].

Dentre os tipos de oferta deste valor mobiliário`: oferta pública, oferta pública com esforços restritos de colocação e oferta privada, essa última se sobressai como alternativa interessante em relação às ofertas públicas por permitir a viabilização de investimento direcionado a credores específicos, pois dentre outras vantagens, não está condicionada a diversas exigências imputadas às públicas, o que otimiza tempo e despesas no contexto da transação.

Os títulos equivalentes às debêntures brasileiras no exterior – os “Corporate Bonds” – são conhecidos pelo baixo risco típico da renda fixa e as taxas de juros competitivas, compartilhando da notoriedade e relevâncias dos valores mobiliários locais em países como os europeus e os Estados Unidos, bem como das vantagens acima mencionadas em relação às grandes ofertas públicas iniciais (“Initial Public Offering – IPOs“).

Tanto para o caso de ser emissora de debêntures privadas, quanto para o caso de assumir o papel de garantidora em operações privadas transnacionais de emissão de Bonds no exterior subscritas por partes relacionadas, é de suma importância para o desenvolvimento do negócio pela companhia que esta possa oferecer uma garantia que, ao mesmo tempo que atenda as expectativas do debenturista e/ou Bond Holder de forma efetiva, seja instrumento de implementação branda e que não limite demasiadamente sua operação.

E é nesse contexto que vem atendendo muito bem a esses requisitos a alienação fiduciária de imóveis.

A alienação fiduciária, inserida no âmbito das garantias reais, foi introduzida na legislação brasileira pela Lei de Mercado de Capitais (Lei nº 4.728/65), aplicável apenas para bens móveis. Em 1997, com a necessidade da reforma e incentivo ao financiamento imobiliário habitacional, através da criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), houve a publicação da Lei nº 9.514, que instituiu a modalidade da alienação fiduciária sobre bens imóveis.

Nessa modalidade de garantia, “o credor torna-se titular do domínio resolúvel sobre a coisa objeto da garantia, permanecendo sob seu domínio até que o devedor pague a dívida[3]“, de maneira que a sua utilização teve bons resultados no mercado, uma vez que a alienação fiduciária minimiza alguns entraves antes trazidos pela hipoteca (onerosidade e formalidade), além de: (a) ser mais eficaz, ante sua rápida execução judicial, (b) retirar o imóvel do patrimônio do devedor desde o momento do registro da garantia, resguardando-o dos efeitos falimentares; (c) possuir maneira mais simplificada de constituição; e (d) ser menos onerosa, haja vista não ser necessário o ato notarial para sua celebração.

Além disso, “do ponto de vista do credor, a principal vantagem da alienação fiduciária em garantia diante da hipoteca seria a maior celeridade na execução da dívida[4]“, considerando que a excussão da garantia é realizada de forma extrajudicial, mediante a venda do imóvel em leilão público.

Antes utilizada apenas como garantia de operações de financiamento imobiliário, com o advento da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, a alienação fiduciária de bem imóvel passou a ser expressamente admitida como garantia de quaisquer obrigações. E passou, portanto, a ser uma ótima opção para garantia de operações estruturadas como as mencionadas acima.

Dentre as garantias existentes no ordenamento jurídico nacional, a alienação fiduciária de bens imóveis é reconhecidamente eficaz e segura, visto que tem entre suas características a transferência da propriedade resolúvel ao credor e a constituição de um patrimônio separado, além de propiciar a célere recuperação do capital empregado, que é o principal obstáculo às aplicações de investidores.

Neste sentido, tem agregado muito como garantia de emissões de título de renda fixa como debêntures e bonds, operações de destaque para financiamento de projetos de companhias brasileiras que passam a ser ainda mais interessantes quando garantidas de forma eficiente e benéfica para os dois lados.

[1] “O mercado de dívida corporativa no Brasil Uma análise dos desafios e propostas para seu desenvolvimento”, disponível em http://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/menu/acesso_informacao/serieshistoricas/estudos/anexos/estudo_cvm_mercado_de_divida_corporativa_no_Brasil.pdf.

[2] Fonte: Boletim de Mercado de Capitais de Junho de 2021 da ANBIMA, disponível em https://www.anbima.com.br/pt_br/noticias/volume-de-ofertas-no-mercado-de-capitais-e-recorde-para-um-primeiro-semestre.htm.

[3] CHALHUB, Melhim N., Negócio Fiduciário – Alienação Fiduciária, 4ª. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2009, p. 222

[4] MAIA, Roberta Mauro Medina. Vida que segue: perspectivas para as hipotecas após a edição da Súmula 308 do STJ. In: GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz; MORAES, Maria Celina Bodin de; MEIRELES, Rose Melo Vencelau (Coord.). Direito das garantias. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 339-370, p. 360.