Pesquisar

O Marco Legal dos Seguros: Uma nova era no setor brasileiro

Os Estados Unidos contam com o “15 U.S. Code Chapter 20”; a Inglaterra dispõe do “Insurance Act 2015”; e a França, do “Code des Assurances”. Seguindo a tendência internacional, o Brasil consolidou a normatização do seguro em legislação própria. Em 9 de dezembro de 2024, foi promulgada a Lei nº 15.040, conhecida como “Marco Legal dos Seguros”, que revoga dispositivos do Código Civil de 2002 e introduz novos preceitos para o setor.


Embora inovadora, essa legislação surge em um mercado de seguros robusto. Em fevereiro de 2025, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) divulgou relatório indicando que, em 2024, as receitas dos segmentos de seguros, previdência e capitalização somaram R$ 435,56 bilhões no Brasil, representando crescimento de 12,2% em relação ao ano anterior . Mas, afinal, o que realmente muda com o novo marco?


O Código Civil de 2002 disciplinava o tema em apenas 46 artigos — 45 deles destinados à modalidade contratual e um à prescrição. O novo Marco Legal amplia significativamente esse universo, passando a abranger 134 artigos, substituindo dispositivos obsoletos e introduzindo inovações relevantes. Diante desse amplo escopo, destacam-se algumas das principais novidades.


Interpretação dos Contratos: Nova Proteção ao Segurado


Pela primeira vez, a legislação brasileira estabelece regras objetivas para a interpretação dos contratos de seguro, visando garantir maior transparência. A expansão do mercado pressupõe que os instrumentos contratuais sejam acessíveis e compreensíveis ao público. Agora, riscos e interesses precisam ser descritos “de forma clara e inequívoca”, prevalecendo a redação mais favorável ao segurado em caso de divergência entre apólice, modelo contratual ou notas técnicas (art. 9º, §§ 1º e 2º). Além disso, peças publicitárias e instrumentos pré-contratuais também deverão ser interpretados em favor do segurado (art. 57).


Comunicação de Agravamento do Risco: Dever Reforçado


O artigo 14 do novo marco detalha a obrigação do segurado de comunicar imediatamente qualquer agravamento substancial do risco à seguradora. O segurado deve, portanto, notificar a seguradora de forma tempestiva, intensificando o dever já previsto anteriormente. O prazo para deliberação da seguradora foi ampliado para 20 dias, possibilitando a exigência de prêmio adicional ou a rescisão do contrato, caso o risco acrescido não possa ser garantido. Se houver rescisão, esta deverá ocorrer em até 30 dias, facultando à seguradora a retenção proporcional de custos na devolução do prêmio.

O Código Civil já previa essa comunicação, sob pena de perda da cobertura em caso de má-fé. Agora, o novo marco endurece as consequências: a omissão dolosa pode acarretar, além da perda da garantia, a obrigação de pagar o prêmio e ressarcir despesas. Passa ainda a prever efeitos específicos para a omissão culposa, a serem definidos pela jurisprudência.


Atuação do Segurado diante do Sinistro: “Duty to Mitigate the Loss”


O novo Marco Legal, em seu artigo 66, atualiza o comportamento esperado do segurado diante de um evento coberto. A partir do conhecimento do sinistro ou de sua iminência, o segurado tem o dever de comunicar prontamente a seguradora por qualquer meio idôneo e adotar todas as providências necessárias para evitar ou minimizar os danos, consagrando no Brasil o princípio internacional conhecido como “duty to mitigate the loss”.

Cabe ao segurado, ainda, prestar todas as informações disponíveis sobre o sinistro, suas causas e consequências sempre que questionado. O descumprimento doloso dessas obrigações, ou seja, com intenção de prejudicar ou omitir informações relevantes, implica na perda total do direito à indenização ou ao capital segurado, sem prejuízo da cobrança do prêmio e do ressarcimento de despesas que a seguradora venha a suportar. Se o descumprimento for apenas culposo, o segurado perde o direito à indenização apenas na medida dos prejuízos decorrentes da omissão.

A legislação prevê, ainda, atenuantes: caso a seguradora comprove ter tomado conhecimento oportunamente do sinistro ou de informações relevantes por outros meios, mesmo sem a comunicação formal pelo segurado, as sanções podem ser afastadas. Importante destacar que o beneficiário também está sujeito a essas obrigações e penalidades, quando for parte interessada.


Regulação e Liquidação de Sinistros: Celeridade e Transparência

Quanto à condução do sinistro, a gestão e a liquidação permanecem sob responsabilidade exclusiva da seguradora, que pode designar regulador próprio sem delegação da decisão final. Os artigos 76 e 77 recomendam a realização simultânea, quando possível, das etapas de regulação e liquidação, favorecendo maior agilidade ao processo. O relatório gerado passa a ser documento comum às partes e, havendo negativa de cobertura, todos os documentos que fundamentaram a decisão da seguradora devem ser disponibilizados ao interessado. O prazo para resposta é de 30 dias, prorrogável em situações complexas, podendo chegar a 120 dias.


Prazos para Reivindicação de Direitos


O novo marco também inova nos prazos para reivindicar direitos relacionados ao contrato de seguro. O artigo 126, inciso I, estabelece, em regra, o prazo de um ano a partir da ciência do fato gerador para que seguradoras cobrem prêmio, intermediários ajustem remunerações e para demandas entre seguradoras e resseguradoras. O segurado também dispõe de um ano para requerer indenização ou restituição do prêmio, contado do recebimento da negativa formal. Para beneficiários e terceiros prejudicados, o prazo é de três anos a partir da ciência do fato gerador para pleitear seus direitos junto à seguradora.


As adaptações promovidas pelo Marco Legal dos Seguros representam uma reestruturação significativa, elevando a transparência, a agilidade e a segurança jurídica no setor. Com seus 134 artigos, a lei marca uma guinada em direção à consolidação normativa e ao alinhamento com práticas de mercados mais maduros, preparando o Brasil para um novo cenário no segmento de seguros.


Por fim, vale destacar que, embora promulgada em dezembro de 2024, a Lei nº 15.040 ainda não está plenamente em vigor. O setor passa por um período de transição, aguardando o início de sua aplicação — previsto para dezembro de 2025. Até lá, seguradoras, consumidores e reguladores buscam se adaptar e observar como as novas regras serão interpretadas e implementadas, enquanto o mercado se prepara para esse novo marco normativo.