A entrada de capital no Brasil: quais são seus aspectos legais?

O Brasil oferece ao capital de origem estrangeira o mesmo tratamento jurídico concedido ao capital nacional, sendo vedada toda discriminação não prevista em norma legal. Esse princípio foi consagrado pela lei n. 4.131/62, que também criou o Banco Central Brasileiro – BCB.

O BCB tem por principal missão assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda brasileira. Neste sentido, a regulamentação dos fluxos de capitais estrangeiros é de sua competência, assim como a gestação das reservas de divisas.

O BCB tem um papel essencial em um país com histórico de hiperinflação. De fato, o Brasil passou por uma sucessão de planos econômicos e políticas monetárias a partir dos anos sessenta, com a indexação dos preços e das taxas de câmbios, a criação de 7(sete) moedas sucessivas e repetidas intervenções do Banco Central nas taxas de juros. Muito embora tenha enfrentado tal cenário, o Brasil conseguiu se tornar uma das dez maiores economias mundiais.

Justamente em razão de sua história econômica e objetivando resguardar a estabilidade de sua moeda, o Brasil exige que os investidores observem determinadas regras condicionantes à entrada de capital estrangeiro. ¹

1. O REGISTRO PERANTE O BANCO CENTRAL

No Brasil, todo investimento e investidores estrangeiros devem estar registros junto ao BCB, pela empresa destinatária do investimento ou pelo representante do investidor, por meio do módulo RDE (Registro Declaratório Eletrônico) do Sistema de Informações do Banco Central – SISBACEN. Todas as partes envolvidas (investidor, representante do investidor e receptor do investimento), devem estar previamente registradas no CADEMP – (Cadastro de Pessoas Físicas e Jurídicas – Capitais Internacionais). O investidor deverá, adicionalmente, estar inscrito junto à Receita Federal do Brasil, para obter um número de CPF (se pessoa física) ou de CNPJ (se pessoa jurídica), que depende, neste último caso, do número de CADEMP.

O RDE é essencial para a transferência dos dividendos para o exterior e para o repatriamento dos capitais. Este registro tem natureza declaratória, não sendo submetido a exame ou verificação preliminar por parte do BCB. Entretanto, a entrada de capitais externos sem o devido registro, ou a transmissão de falsas informações no RDE são passíveis de aplicação de multas variando de R$ 1.000,00 à R$ 250.000,00.²

As duas formas mais frequentes de entrada de capital estrangeiro são o investimento direito e o crédito externo, que serão tratados mais detalhadamente a seguir.

2. INVESTIMENTO DIRETO

O investimento direto consiste na tomada de participação do investidor não-residente no Brasil (pessoa física ou jurídica), por meio da participação oriunda da titularidade de quotas ou ações no capital social de uma sociedade brasileira.

Assim, para subscrever o capital social ou adquirir uma participação de uma sociedade brasileira previamente constituída, os aportes deverão ser enviados através de um estabelecimento bancário autorizado a realizar as operações de câmbio. O registro do investimento no módulo RDE-IED deverá ocorrer no prazo de 30 (trinta) dias a contar da celebração do contrato de câmbio.

3. CRÉDITO EXTERNO/EMPRÉSTIMO

De acordo com a circular n. 3.689/13 do BCB, os créditos externos correspondem ao “arrendamento mercantil financeiro externo (leasing), empréstimo externo, captado de forma direta ou por meio da colocação de títulos, recebimento antecipado de exportação e financiamento externo”.

Por seu turno, o registro das operações acima listadas se opera por meio do módulo RDE – ROF (Registro Declaratório Eletrônico – Registro de Operação Financeira) do SISBACEN, previamente à entrada do fluxo financeiro.

No que se refere especificamente às operações de empréstimo, o tomador do mútuo deverá informar no seu RDE-ROF as principais características de seu empréstimo: partes, divisa, montante do mútuo, condições e pagamento (prazo, número de parcelas, taxas de juros, etc.), natureza e destinação do mútuo.

4. ASPECTOS FISCAIS

4.1. Investimento direto

As operações de câmbio são submetidas à aplicação de IOF – Imposto sobre as operações financeiras, na alíquota de 0,38% sobre o importe recebido em reais, correspondente ao montante da operação de câmbio na divisa estrangeira.

Por outro lado, caso o investidor não-residente decida vender sua participação, o eventual ganho de capital será submetido ao recolhimento obrigatório de Imposto de Renda – IR, à alíquota de 15%, podendo ser elevada para 25% para residentes em paraísos fiscais.

4.2. Empréstimos

As operações de câmbio ligadas ao fluxo de crédito externo são igualmente submetidas ao recolhimento de IOF, aplicado sobre o montante em reais da operação de câmbio na alíquota de:

  • 6% se a duração do mútuo for inferior ou igual a 180 dias, ou
  • 0% se a duração for inferior a 180 dias.

Portanto, os mútuos superiores a 180 dias são mais interessantes do ponto de vista fiscal.

Além disso, a operação de câmbio ligada ao pagamento do empréstimo é submetida à uma alíquota de 0% de IOF.

Por fim, os juros pagos ao credor são submetidos ao IR na alíquota de 15%, recolhido diretamente na fonte.

4.3. Dedutibilidade fiscal

As empresas brasileiras pagadoras de juros aos seus credores estrangeiros poderão deduzi-los de seu IR, desde que preencham as três condições seguintes: sociedade sujeita ao regime de lucro real, preço de transferência, e thin capitalization.

A dedução a ser calculada sobre os juros pagos pela sociedade brasileira é limitada a um percentual, chamado de preço de transferência, que varia de acordo com a dívida do empréstimo:

  • Para mútuos com taxa fixa de juros, contraídos em dólar americano, serão dedutíveis somente os juros não excedentes à taxa dos títulos públicos brasileiros emitidos no mercado americano em vigor no dia da assinatura do empréstimo, à qual será adicionado o spread de 3,5%;
  • Para mútuos com taxa fixa de juros, contraídos em reais, serão dedutíveis somente os juros não excedentes a taxa dos títulos públicos brasileiros emitidos no mercado brasileiro em vigor no dia da assinatura do empréstimo, à qual será adicionado o spread de 3,5%;
  • Em todos os outros casos, serão dedutíveis apenas os juros não excedentes à taxa do LIBOR 6 meses em vigor no dia da assinatura do mútuo, à qual será adicionado o spread de 3,5%.
  • A dedução de IR deverá igualmente respeitar os limites e condições da regra de thin capitalization, abaixo expostas:
  • O financiamento deve ser necessário à atividade do tomador do empréstimo;
  • O valor da dívida deve ser inferior a 200% do valor da participação do credor no capital social do tomador brasileiro;
  • Em todos os casos, inclusive naqueles em que o credor não detém participação na sociedade brasileira tomadora do empréstimo, a dívida total do empréstimo não deve ser superior a 200% da participação própria.

5. A REPATRIAÇÃO DE BENEFÍCIOS DE SOCIEDADE BRASILEIRA PARA UM INVESTIDOR NÃO-RESIDENTE

O Brasil oferece um tratamento fiscal relativamente interessante no que se refere à distribuição dos benefícios pelas sociedades brasileiras, prevendo expressamente a isenção fiscal dos dividendos distribuídos aos seus quotistas/acionista. A legislação brasileira prevê igualmente a possibilidade da distribuição dos benefícios do capital investido por quotista/acionista sob a forma de juros sobre o capital próprio – JCP, com uma forma de tributação bastante diferenciada para as sociedades brasileiras sujeitas ao regime de lucro real.

6. CONCLUSÃO

Como visto, a entrada de capital estrangeiro no Brasil deve observar determinadas formalidades, devendo ser considerada pelo investidor a carga tributária envolvida. Ademais dos procedimentos ligados à entrada do capital estrangeiro, o investidor deverá igualmente manter seu RDE atualizado e respeitar as regras aplicáveis aos sócios, quotistas e acionistas de empresas brasileiras. Diante disso, é altamente recomendável o assessoramento do investidor por consultores especializados em matérias bancárias, jurídicas e fiscais.

¹De acordo com a lei 4.131/62, os capitais estrangeiros correspondem a todos “os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior”.

A participação de capital estrangeira é vedada ou restrita nas seguintes atividades: desenvolvimento de atividades ligadas à energia nuclear, propriedade e gestão de jornais e de redes de rádio e televisão, serviços ligados à saúde, propriedade rural e seus negócios em zonas fronteiriças, serviços postais e telegráficos; atividades de aviação no território brasileiros, e indústria aeroespacial.

²De acordo com a Lei nº 11.371/2006 e a Resolução n. 4.104/2012.