A sistemática não-cumulativa do PIS/COFINS foi, desde os seus primórdios, objeto de infindáveis controvérsias. Com efeito, desde o ano de 2002 (i.e. com a publicação da Medida Provisória nº 66) se discute, por exemplo, qual a abrangência dessa não-cumulatividade, quais os setores impactados e como tributar de forma mais equitativa os diversos contribuintes abarcados pelo regime.
Em verdade, em sua gênese, a criação dessa sistemática esbarrou em grandes desafios, muitos deles não equacionados de forma consistente pelo legislador federal, a saber: (i) quais os setores e/ou critérios razoáveis/equitativos para determinar a obrigatoriedade desse regime; (ii) que gastos/despesas dariam direito ao crédito das contribuições; (iii) quais as alíquotas que seriam adotadas; e (iv) qual o tratamento do crédito nos casos de incentivos fiscais. Esses desafios decorrem, em primeiro lugar, do fato do PIS/COFINS serem tributos incidentes sobre o faturamento, conceito bastante amplo, o que gera natural incerteza quanto à definição dos montantes passíveis de geração de créditos. Em segundo lugar, o fato de serem tributos universais, cobrados tanto de produtores de bens, quanto de comerciantes e prestadores de serviço, traz uma dificuldade inata no que se refere às peculiaridades de cada setor produtivo (que acaba sendo mitigado na clássica repartição entre IPI, ICMS e ISS).
O fato é que, apesar da adoção da sistemática não-cumulativa ter sido pleiteada pelos contribuintes, o resultado foi bastante criticado por quase todos os setores, seja pela majoração excessiva das alíquotas, seja pelas restrições ao direito de crédito, seja ainda pela falta de diferenciação entre os diversos setores produtivos.
Poder Legislativo e Receita Federal deram pouca relevância ao tema, um preocupado em criar benefícios fiscais setoriais que albergassem interesses pouco republicanos e o outro interessado no aumento da arrecadação produzido pela nova sistemática. Diante desse cenário, a válvula de escape para a frustração dos contribuintes acabou recaindo sobre o Poder Judiciário, demandado continuamente com questões envolvendo essa sistemática.
De todas as polêmicas que desembocaram no Judiciário sobre esse tema, certamente a mais bem-sucedida diz respeito à natureza do termo “insumos” para fins de apuração do crédito. De fato, embora o legislador tenha sido conservador ao criar a sistemática da não-cumulatividade do PIS/COFINS, optando por elencar taxativamente os itens que dariam direito ao crédito, uma análise mais atenta da legislação evidenciou uma abertura nesse sistema de numerus clausus, a saber, a abrangência do termo “insumos”. A relativa imprecisão desse termo, em especial se considerada no âmbito de tributos incidentes sobre o faturamento (da atividade econômica principal da empresa), trouxe a possibilidade de ampliação da lista taxativa de custos/despesas passíveis de creditamento pelo PIS/COFINS.
Nesse contexto, a palavra final sobre a natureza dos insumos coube ao Poder Judiciário, que o fez por meio do Recurso Especial 1.221.170/PR, sob a sistemática de recurso repetitivo, e concluiu, em resumo, que esse conceito deve ser buscado à luz da essencialidade ou relevância do item para o desenvolvimento da atividade do contribuinte, afastando-se as restrições ilegais contidas nas Instruções Normativas 247/2002 e 404/2004.
Ocorre que, ao contrário do que se poderia esperar, a decisão do STJ ainda não foi suficiente para pacificar a questão e trazer a segurança jurídica necessária para o deslinde definitivo da discussão, uma vez que a definição adotada ainda possui um nível elevado de subjetividade, utilizando-se de termos (essencialidade ou relevância) que guardam alto índice de vagueza e requerem análise casuística da situação de cada contribuinte.
Diante desse cenário, e dada a subjetividade existente nos critérios elencados pelo STJ para delimitar os insumos para o PIS/COFINS (essencialidade ou relevância), no fim de 2018 a Receita Federal (“RFB”) editou o Parecer Normativo nº 5/2018, com diretrizes a serem seguidas pela administração fiscal a fim de uniformizar a matéria.
Nesse ponto, analisamos abaixo alguns dos pontos principais desse Parecer Normativo, evidenciando os avanços e falhas contidos no entendimento exarado pela RFB:
✓ na definição das atividades geradoras de insumos, a RFB admitiu interpretação ampla para o termo “produção” de bens ou produtos destinados à venda, não limitando esse conceito à definição de industrialização adotada pela legislação do IPI. Com isso, atividades que permitam a transformação de insumos em um novo bem destinado à venda, ainda que não considerada uma “industrialização”, também admitiriam o creditamento do PIS/COFINS em relação aos insumos;
✓ a RFB admitiu, ainda, o creditamento do PIS/COFINS relativo ao “insumo do insumo”, vale dizer, dos custos/despesas caracterizados como insumos necessários a produção de insumos utilizados na produção/fabricação do bem/produto comercializado, inclusive aqueles utilizados na manutenção de ativos utilizados na produção do insumo;
✓ além disso, a RFB admitiu a desvinculação entre a caracterização de insumos e os conceitos contábeis, o que autoriza que não apenas custos, mas despesas, inclusive da exaustão de bens do ativo imobilizado, assumam natureza de insumos;
✓ também houve expresso reconhecimento como insumos dos materiais e serviços de limpeza, desinfecção e dedetização de ativos utilizados pela pessoa jurídica na produção de bens ou na prestação de serviços, independentemente do setor de atuação;
✓ reconheceu a possibilidade de creditamento em relação aos dispêndios com a contratação de serviços de mão de obra prestados por pessoa jurídica terceirizada;
- em que pesem os avanços acima, a RFB nitidamente restringiu a apuração de créditos de PIS/COFINS sobre os bens/serviços utilizados como insumos apenas na prestação de serviços e na produção/fabricação de bens ou produtos destinados à venda, deixando de fora todas as outras atividades de natureza diversa, como a atividade comercial (revenda de bens);
- ademais, exceto em relação a casos muito específicos, a RFB limitou a possibilidade de creditamento aos insumos utilizados na fase de produção, i.e. ao encerramento da etapa de produção, entendendo que, em regra, bens e serviços empregados após a finalização dessa etapa (e.g. combustível ou frete de produtos acabados entre estabelecimentos do contribuinte) não poderiam ser considerados insumos;
- entendeu, ainda, que a mera imposição legal de determinado custo/despesa não basta para sua qualificação como insumo, cabendo verificar se ele observa os critérios da essencialidade ou relevância para a prestação de serviços ou produção de bens destinados à venda;
- adicionalmente, vedou o creditamento do PIS/COFINS em dispêndios com (i) pesquisa e (ii) no caso de desenvolvimento, nas situações em que não há conclusão bem-sucedida no desenvolvimento de novo ativo ou este é explorado em área diversa da produção de bens ou serviços. O mesmo entendimento foi aplicado aos dispêndios com pesquisa/prospecção mineral;
- por fim, a RFB limitou o creditamento do PIS/COFINS em relação aos dispêndios com itens destinados a viabilizar a atividade da mão de obra empregada no processo de produção (tais como alimentação, vestimenta, transporte e saúde) aos casos estritamente exigidos pela legislação.
Como ressaltado, o entendimento exposto no Parecer Normativo trata apenas de diretrizes para a fiscalização tributária, sendo vinculante apenas aos agentes públicos. Novas decisões sobre o assunto deverão ser proferidas no futuro, o que poderá jogar mais luz sobre a matéria.
Por enquanto, considerando a (ainda) grande subjetividade da definição de insumo, recomenda-se que cada contribuinte analise sua situação específica com base nas características e especificidades de sua atividade, tendo por norte o entendimento exarado pelo STJ, esse sim com efeito vinculante aos contribuintes.
Ficamos à disposição para esclarecimentos adicionais sobre a matéria.
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