Subvenções, tributação e o CPC 07

As contradições da Lei nº 14.789/2023

Buscando aumentar a arrecadação tributária, o Governo Federal sancionou a Lei nº 14.789/2023 que, na prática, revogou a isenção[1] de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre as subvenções para investimento (incluindo os benefícios fiscais de ICMS, conforme a Lei Complementar nº 160) – com efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024.

Em contrapartida à essa revogação, foi instituído o “crédito fiscal de subvenção para investimento”, aplicável à pessoa jurídica tributada pelo lucro real que seja beneficiária de subvenção para implantar ou expandir empreendimento econômico.

O contexto em que tudo isso ocorreu foi bastante polêmico, com a matéria sendo proposta pelo Governo no intento de alterar posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no julgamento do Tema Repetitivo nº 1.182.

Ocorre que, ao assim fazer, a Lei nº 14.789/2023 acabou por impor tributos sobre um fato que não reflete capacidade contributiva alguma, já que não representa uma riqueza nova da empresa ou algo que se incorpora ao seu patrimônio.

De fato, as regras de apropriação contábil das subvenções, sejam elas de custeio ou de investimento, estão explicitadas no CPC nº 07 (R1) – IAS 20, e não sofreram nenhuma alteração em virtude da promulgação e entrada em vigor da Lei nº 14.789/2023.

Nesse sentido, em primeiro lugar, o CPC já esclarece que a forma como a subvenção é recebida pelo beneficiário (se em ativos ou em redução de passivos) não influencia no método de contabilização a ser adotado.

Em segundo lugar, o CPC (itens 12 e 15) determina que uma subvenção governamental deve ser reconhecida como receita ao longo do período e confrontada com as despesas que pretende compensar, em base sistemática, desde que atendidas as condições do próprio CPC. Isso significa que, ao menos contabilmente, as subvenções resultam no reconhecimento de uma receita (a própria subvenção) e de uma despesa (dispêndio que a subvenção busca compensar).

Em termos práticos, resulta que uma subvenção governamental que envolva, por exemplo, a alíquota zero de ICMS, deverá gerar, na contabilidade da empresa, o reconhecimento de uma despesa de ICMS (que pode ser de 18%, se a alíquota não subvencionada for essa) e uma receita no mesmo valor (para compensar a despesa subvencionada).

Note que, embora contabilmente se exija o registro de receita e despesa, esses lançamentos são meramente escriturais, buscando refletir uma situação relevante para a contabilidade (informação, comparabilidade de balanços, continuidade da entidade e benefícios), mas que para o direito tributário não possui relevância, por não representar qualquer ingresso de riqueza nova.

Em outras palavras, o tratamento contábil previsto no CPC 07 se baseia em uma situação hipotética para a empresa (que poderia ser traduzida em “se a entidade tivesse que pagar o ICMS/outro tributo subvencionado em sua alíquota cheia, o impacto no resultado, deduzida a subvenção governamental recebida, seria de …”). É um racional compreensível, sob a ótica dos fundamentos da contabilidade, mas que, por ser hipotético, não pode ser confundido com renda.

Tanto é assim que, à luz do CPC 07, seguindo-se o regime fiscal da Lei nº 14.789/2023, a empresa beneficiada com incentivos fiscais (de investimento ou custeio) deverá (i) oferecer a “receita” da subvenção à tributação e (ii) não poderá deduzir, para fins de IRPJ/CSLL, a “despesa” a que ela busca compensar, já que não incorreu nessa despesa.

Ora, nada mais dissonante com os fundamentos básicos da tributação (existência de riqueza e presença de capacidade contributiva) do que impor a tributação de lançamentos contábeis que não refletem esses fundamentos, mas que espelham apenas situações hipotéticas.

Em que pese a aproximação entre o direito tributário e a contabilidade, em especial após a Lei nº 12.973/2014, é fundamental que se diferencie os fatos meramente contábeis daqueles que são contábeis e fiscais. Nesse contexto, temos que a caracterização das subvenções como “receitas” representa um fato exclusivamente contábil, mas que não pode, e não deve, gerar impactos no direito tributário, por não refletir capacidade contributiva ou renda da empresa.

Ficamos à disposição para esclarecimentos adicionais sobre a matéria.

Artigo preparado por Estevão Gross, sócio de GTLawyers. Para mais informações favor contatar o telefone 11.3504.7618 ou o e-mail egross@gtlawyers.com.br.

1] Anteriormente condicionada à sua manutenção em reserva de incentivos fiscais, conforme a Lei 12.973/14.